Como menopausa precoce se associa à depressão

Estudo grego relaciona chance maior de depressão em mulheres que têm menopausa prematura

Desde muito cedo, a enxurrada de hormônios muda completamente a vida da mulher. Quando o ciclo menstrual começa, uma série de alterações surgem no corpo e mudam todo o  estilo de vida.

A menstruação é a descamação das paredes internas do útero, e acontece quando não há fecundação dos óvulos. É como se fosse uma preparação do corpo para a gravidez, e quando não ocorre, o endométrio — membrana uterina — se desprende.

Esse fenômeno natural, normalmente, se inicia na adolescência, sendo marcado pela menarca — como é chamada a primeira menstruação da mulher. O processo de encerramento ocorre, em média, entre os 45 e 55 anos, quando o corpo começa a apresentar alguns sinais, oscilações no período menstrual. Esse momento é chamado de perimenopausa. O marco de encerramento, na última menstruação, chamado de menopausa.

Contudo, algumas mulheres experimentam esse período precocemente, caracterizado antes dos 40 anos.

À CNN, Luciano de Melo Pompei, presidente da Comissão Nacional Especializada em Climatério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), disse que a comunidade científica utiliza o termo insuficiência ovariana prematura, mas conhecido popularmente de ‘menopausa precoce’.

Segundo Mauricio Abrão, coordenador da Ginecologia da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo, a menopausa precoce pode acontecer por fenômenos variados. “Eles vão desde uma predisposição pessoal, predisposição genética, ou em caso de algumas doenças é comum que isso aconteça”, disse à CNN.

Uma revisão da Universidade Nilton Lins, que avaliou mulheres com menopausa precoce no Brasil, mostrou que cerca de 1% das mulheres apresentam insuficiência ovariana prematura no país.

Abrão explica que é comum que a menopausa seja precoce em pacientes que têm endometriose. “Ou  também quando a paciente faz cirurgia no ovário, se houve retirada dos ovários, ou se passou por retirada de um cisto”, comenta.

Foi exatamente isso que aconteceu com Maria Tereza Silva, que recebeu o diagnóstico de menopausa prematura aos 32 anos.

“Eu descobri a menopausa precoce quando comecei tomar uma medicação para a endometriose. Eu fiquei sem fluxo do sangue (menstruação) por um período e comecei a sentir os sintomas da menopausa”, disse Maria Tereza em entrevista à CNN.

Menopausa precoce associada à depressão

As mudanças hormonais não afetam somente o corpo da mulher, mas também a mente. Com a baixa produção do estrogênio, hormônio feminino, ligado às várias funções e características da mulher, alterações de humor, disposição e até mesmo surgimento de depressão são sintomas comuns na fase da menopausa prematura.

Em uma análise de 14 estudos que analisaram cerca de 68 mil mulheres, pesquisadores da  Universidade Nacional e Kapodistrian de Atenas, na Grécia mostraram aquelas que entraram na menopausa a partir dos 50 anos apresentaram uma redução no risco de depressão na pós-menopausa, em comparação com mulheres que tiveram a insuficiência ovariana prematura.

O estudo mostrou que a cada dois anos que a menopausa demora a ocorrer, o risco de depressão diminui em 2%.

“A exposição mais longa aos estrogênios, expressa como idade mais avançada na menopausa e período reprodutivo mais longo, está associada a um menor risco de depressão na vida adulta”, escreveram os cientistas.

“A depressão está diretamente ligada à menopausa, porque o estrogênio, que é o hormônio que diminui na menopausa, acaba sendo responsável pelo estímulo do aumento de algumas endorfinas como serotonina (conhecido como hormônio da felicidade). E com a diminuição do estrogênio, existe uma diminuição desse tipo de neurotransmissor”, explica Abrão.

Maria Tereza conta que, durante o período que fazia acompanhamento para a endometriose e passando pela fase de menopausa precoce, ela recebeu o diagnóstico de depressão e síndrome do pânico.

“Quando eu recebi o diagnóstico foi difícil, porque eu tive que iniciar um acompanhamento, tomar remédios e isso mexeu muito com a minha mente. É muito complicado, porque às vezes a gente conta para as pessoas e elas não acreditam, acham que é frescura e que não tem nada a ver. Mas só quem passa sabe”, afirma.

Os cientistas de Atenas escreveram que “identificar mulheres com maior risco de depressão devido à menopausa precoce que poderiam se beneficiar de intervenção psiquiátrica ou terapias à base de estrogênio pode ser útil no cenário clínico.”

Mudanças hormonais e funcionamento da mente

Pompei diz que a queda de estrogênio traz uma série de consequências para a vida da mulher.

“Desde manifestações a curto prazo, como por exemplo as ondas de calor, alterações emocionais, falta de labilidade, humor mais depressivo, mudanças de humor isso isso porque os hormônios interferem na produção e na quantidade de neurotransmissores cerebrais”, explica.

Ana Lucia Pandini, professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie na área Psicologia Analítica, disse à CNN que com todas essas alterações, a mulher pode acabar experimentando sensações que vão desde a perda de autoestima à necessidade de se sentir mais mulher.

“Se não há compreensão, da parte da mulher, por questões físicas, por entender que o corpo está passando por uma mudança, por uma situação hormonal, ela pode desenvolver sintomas depressivos”, disse.

Maria Tereza conta que começou a experimentar essas sensações aos 36 anos. Ela precisou fazer uma cirurgia chamada histerectomia total, quando há retirada do útero e ovários.

“Isso atrapalhou bastante minha rotina porque as pessoas falavam que com a retirada útero, eu perderia a libido, então comecei colocar isso na cabeça e me fez muito mal”, disse Maria Tereza.

Ela conta que se sentiu muito sozinha. “Me faltava atenção e compreensão do meu marido. Eu achava pouco, eu queria muito mais.”

Pandini aponta que, nessas situações, o melhor caminho é compreender tudo que envolve o útero, menstruação, que estão relacionados a símbolos que remetem à feminilidade, mas que a menopausa, mesmo precoce, é um processo natural do corpo.

“A mulher, quando passa por esse período, seja de retirada do útero, de menstruação, que algo muda na rotina dela, passa a ter uma fantasia de se sentir menos mulher. Ela precisa ressignificar esse símbolo e resgatar uma força psíquica, uma força emocional”, afirma.

Maria Tereza precisou fazer terapia com psiquatra e psicólogo para lidar com a situação. “Eu tive bastante problema com autoestima, então eu comecei a fazer terapia semanalmente para lidar com tudo que estava acontecendo, principalmente com a retirada do útero, parecia que tinha tirado uma parede de quem eu sou.”

Carmita Abdo, psiquiatra, professora da Faculdade de Medicina da USP, presidente da Associação Brasileira de Estudos em Medicina e Saúde Sexual, disse à CNN que é muito frequente isso acontecer, mas que há uma situação em que a mulher deveria ser preparada. “Não seria esse o curso natural da vida. Muitas mulheres referem não menstruar a algo não positivo, como se tivesse perdido uma competência.”

Menopausa precoce e a função sexual

Abdo diz que é natural que no período de baixa produção de estrogênio, a mulher perca a vontade de manter relações.

“A primeira consequência da falta do estrogênio, no plano físico, é a secura da vagina. E com isso, não lubrificando, ela vai ter desconforto na relação sexual. Pouco a pouco, como essa situação é desconfortável, a mulher vai se desinteressando do ato, e vai perdendo o desejo”, explica.

Maria Tereza disse que passou por esse processo. “Essa situação fez muito mal para o meu relacionamento, fez muito mal para meu parceiro. Eu fiquei quase 70 dias sem ter relação. Eu não sentia vontade e tinha muito medo.

Abdo diz que nesses casos, é necessário que haja compreensão e conversa.

“Como a mulher continua com a função sexual preservada, não muda cabelo, não envelhece, não fica mais fraca em termos de ossos, o parceiro não observa grandes mudanças externamente, não consegue ver o psiquismo da mulher porque ela ficou abalada emocionalmente”, afirma.

A saída, segundo Abrão, é terapêutica hormonal. “A melhor forma de lidar é fazer um acompanhamento médico preciso, realizar diagnósticos corretos”, disse.

Tereza conta que, devido à menopausa precoce, precisou fazer uso de medicamentos chamados ‘repositores hormonais’ — terapias que a ajudaram depois de um período.

Abdo aponta que o caminho é o diálogo. “Se o parceiro estiver muito interessado, quiser manter o sexo na mesma frequência do que em épocas anteriores, ele precisa saber que o organismo da mulher está diferente, e ambos precisam refazer um acordo sobre ritmo e intensidade da relação”, comenta.

A psiquiatra ainda aponta que a menopausa deve ser aliviada das ‘culpas’ da perda da libido. “Cuidar da saúde em geral, física e emocional, é fundamental para que o sexo se preserve.”

Para a psicóloga e sexóloga Jussania Oliveira, mudar esse cenário requer “o básico de qualquer saúde física e mental: exercícios físicos, atividades de lazer, alimentação equilibrada, identificação de novos hobbies ou atividades laborativas e, sem dúvida alguma, fazer terapia”, disse.

Por CNN Brasil

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