Estudo aponta que a sobrecarga psicológica causada pela crise afeta mais as mulheres
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A ansiedade e o estresse que acompanham a pandemia do novo coronavírus têm impactado a saúde mental das pessoas em todo o mundo, mas novos estudos revelam que as mulheres são as que mais sofrem com a sobrecarga psicológica causada pela crise.
A preocupação em não se contaminar e garantir o equilíbrio da situação financeira da família enquanto trabalham e cuidam dos filhos fez escalar o número de homens e mulheres que relataram algum tipo de abalo psicológico desde o início de março.
A discrepância dos dados entre eles e elas, porém, chama a atenção de especialistas, que avaliam que o aumento vigoroso dos níveis de ansiedade pode gerar problemas ainda mais graves na sociedade pós-pandemia.
Pesquisa da Kaiser Family Foundation mostra que 32% dos adultos nos Estados Unidos diziam, no meio de março, que a inquietação e o estresse com o coronavírus impactaram de forma negativa sua saúde mental. Duas semanas depois, esse número saltou para 45%.
No primeiro momento, quando a pandemia ainda não havia chegado em seu pico em diversos países, eram 36% as mulheres que reportavam impacto em sua saúde mental ante 27% dos homens.
No fim de março, a pesquisa mostra que entre as mulheres o choque foi maior: 53% delas afirmaram que tiveram o emocional abalado de alguma, enquanto 37% dos homens tiveram a mesma percepção na época.
A psicóloga Maryam Abdullah, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, afirma que as taxas de ansiedade entre as mulheres eram mais altas que as dos homens mesmo antes da pandemia e que o cenário acaba ressaltado em temporadas de crise –e deve piorar.
Na maioria das famílias, ela explica, as mulheres acumulam diferentes atividades e têm maior senso de responsabilidade e cuidado do que os homens.
“Essa é uma tendência. A pandemia destaca as diferenças entre gênero, raça, classe social e outras características da nossa sociedade. Obviamente as mulheres estão cuidando das crianças, trabalhando, e muitas delas são chefes de famílias. Ter que lidar com essas responsabilidades sem o suporte para cuidar de seus filhos ou delas mesmas gera sobrecarga”, diz Abdullah.
A rede de apoio externa, que pode envolver escola, creche ou mesmo amigos e parentes que costumam auxiliar a cuidar das crianças, foi suprimida com a pandemia, o que escancarou as discrepâncias domésticas.
Em casas com filhos menores de 18 anos, por exemplo, a pesquisa da KFF mostra que a diferença entre homens e mulheres que relataram abalo emocional em março passou de 5 para 25 pontos percentuais em duas semanas.
No fim de março, 57% das mães disseram sentir piora na saúde mental, ante 32% dos pais. Na quinzena anterior, eram 36% das mulheres e 31% dos homens.
A especialista afirma que há diferentes razões para o abismo que marca a dinâmica de pais e mães na maioria das famílias. Ela pondera que muitos homens tentam e querem ajudar, mas que as atividades domésticas são, no geral, concentradas nas mulheres.
No caso das mães com bebês ou crianças pequenas, há uma demanda natural pela figura materna, principalmente durante o período de amamentação. No entanto, quando os filhos estão mais velhos, a mulher continua sendo o agente prioritário, que os leva à escola, desmarca ou marca compromissos e ajuda no dever de casa.
“São tempos sem precedentes e, às vezes, as mulheres só pensam: ‘vou resolver isso, cuidar disso, terminar aquilo’ e chegam no limite. Elas precisam falar: ‘isso é o que eu consigo fazer, você pode me ajudar com aquilo?'”
Os pais e mães representam um terço da força de trabalho nos Estados Unidos e uma das preocupações dos especialistas é que esse nível de estresse pode fazer com que as pessoas estejam à beira do esgotamento mental quando voltarem à rotina de seus empregos.
As consequências físicas e econômicas da crise do coronavírus parecem mais claras até aqui, mas especialistas afirmam que o impacto na saúde mental não pode ser ignorado.
Abdullah diz que é preciso criar mecanismos para tentar lidar com o período que está por vir. A primeira coisa a fazer, explica, é parar de acumular funções e se permitir ter consciência de seus medos e inseguranças.
“A pandemia é uma das grandes transições da nossa sociedade. Precisamos desenvolver estratégias para chegar até o outro lado sem a ansiedade de não saber como o novo normal será.”