O balanço de refugiados da guerra aumenta a cada dia. De acordo com o Alto Comissariado para Refugiados da ONU (ACNUR), 1.038.583 pessoas fugiram da Ucrânia após a invasão russa. Todos os dias, dezenas de milhares se dirigem para o oeste do país, na tentativa de escapar dos bombardeios. A reportagem da RFI ouviu ucranianos que deixam tudo para trás e se dirigem para as fronteiras ocidentais.
Em Lviv, milhares de pessoas tentam embarcar de trem para a Polônia. A fila para acessar as plataformas tem dezenas de metros e famílias inteiras esperam de pé. “Fugi com a minha filha, minha neta, minha irmã e minha mãe”, conta uma mulher ao repórter Pierre Olivier, da RFI.
O marido dela ficou para lutar em Zaporiza, mais ao sul. Porém, elas tiveram muito receio e resolveram ir embora, apenas com uma mochila nas costas. “Olhe! Isso é tudo que eu trouxe comigo! Isso e meus filhos, é claro!”, aponta.
Os rostos de quem foge da guerra carregam uma mistura de cansaço e medo, segundo os correspondentes. “Ouvimos grandes explosões em Kalinivka, a cidade onde moramos. Vimos foguetes voando sobre nossas cabeças”, contra outra ucraniana.
Voluntários estão espalhados pela estação a fim de ajudar aqueles que tentam embarcar. Mas estes também estão sobrecarregados. “Você vê! Há muitas pessoas”, diz um jovem estudante que veio da Polônia para ajudar o seu país. “Todo mundo está nervoso! Estamos tentando acalmar as coisas. Damos prioridade para quem está esperando há muito tempo para embarcar nos trens”, explica.
Para atenuar a espera, outro estudante oferece café e um pedaço de bolo aos viajantes. “Eu sei, eu tenho que estar aqui, para ajudar. Às vezes eu vou dormir, descanso um pouco e em seguida volto para trabalhar de novo!”, conta o voluntário.
Para esses jovens, é uma forma de participar do esforço coletivo de guerra em seu país, enquanto veem o fluxo de refugiados aumentar a cada dia. A Polônia acolhe de longe o maior número de refugiados, desde o início da invasão russa. No total, são 547.982, segundo contagem recente do ACNUR, ou 52,8% do total. Antes desta crise, a Polônia já abrigava cerca de 1,5 milhão de ucranianos, a maioria dos quais veio trabalhar neste país membro da União Europeia.
Êxodo constante
Depois do lançamento da ofensiva russa, o êxodo tem sido constante. “Em apenas sete dias, testemunhamos a saída de um milhão de refugiados da Ucrânia para países vizinhos”, tuitou Filippo Grandi, Alto Comissário da ONU para Refugiados, nesta quinta-feira (8). “Para outros milhões dentro da Ucrânia, é hora das armas serem silenciadas, para que a assistência humanitária possa chegar e salvar vidas”, completou ele.
As autoridades e a ONU esperam que o fluxo de refugiados se intensifique, já que o exército russo concentra seus esforços nas principais cidades ucranianas. De acordo com a ONU, quatro milhões de pessoas podem querer deixar o país para escapar dos bombardeios.
A Hungria acolheu, até agora, 133.009 refugiados, quase 13% do total, segundo o ACNUR. O país tem cinco postos de fronteira com a Ucrânia e várias cidades fronteiriças, como Zahony, onde prédios públicos foram transformados em centros de assistência e civis húngaros oferecem comida aos recém chegados.
Com a debandada de pessoas que buscam abrigo em países estrangeiros, os postos de fronteira da Ucrânia com países vizinhos começam a ficar saturados. Os enviados especiais da RFI, Anastasia Becchio e Boris Vichith, contam como está a situação em Otaci, na fronteira com a Moldávia, país onde o número de refugiados subiu para 97.827, ou 9,4% do total.
Com os olhos avermelhados e feições contraídas, várias dezenas de mulheres e seus filhos esperam em uma sala, no meio de suas bagagens. Os maridos ficaram, já que homens de 18 a 60 anos estão proibidos de sair da Ucrânia e são convocados a defender o país. Alissa está sozinha com o filho de 3 anos e pretende ir para a Itália, onde parentes estão esperando por ela. “Estou usando as mesmas roupas desde quinta-feira de manhã. Vivemos perto do Aeroporto Boryspil, em Kiev. Às 6 da manhã, ouvimos explosões, estávamos com tanto medo que pegamos nossas malas e corremos. Toda a nossa vida ficou lá”, lamenta.
Dezenas de voluntários de igrejas estão mobilizados para acolher as famílias, que recebem comida, abrigo e ajuda no transporte. Yana e sua filha embarcaram em um veículo lotado em direção à Romênia e depois para a Alemanha. “É realmente uma tragédia horrível. Estou indo para a Alemanha, que vai nos receber, porque a Rússia está nos bombardeando. A Rússia com a qual, no passado, lutamos contra a Alemanha”, exclama. Yana também deixou o marido e o irmão em Kiev. Eles se juntarão às forças armadas, amanhã.
Polônia, Hungria, Eslováquia, Moldávia e Romênia são alguns dos países que viram a chegada de refugiados aumentar sensivelmente, nos últimos dias. O correspondente especial da RFI, Nicolas Falez, mostra como está a situação no posto fronteiriço de Siret, no norte da Romênia. O país já recebeu 51.261 refugiados, ou cerca de 5% do total. Dois campos foram montados para receber os ucranianos, um em Sighetu Marmatiei e outro em Siret.
Os refugiados chegam a pé. Entre eles, Olga e sua irmã. As duas são loiras, tem cerca de trinta anos e puxam suas malas de rodinhas, carregando, ainda, o caixote em que trouxeram seus dois gatos. Elas partiram da capital Kiev. “Foi de repente. Dois dias atrás, eu fiquei com medo da situação e do que estava por vir. É assustador e incerto, não sei mais o que dizer”, comenta Olga. “As pessoas já falavam de guerra há algum tempo, mas sem realmente acreditar. Mas em 24 de fevereiro, começou. Na véspera, eu não podia imaginar que estava vivendo os últimos dias da minha vida normal”, lamenta.
Preocupadas, as duas irmãs tentavam, sem sucesso, falar com os amigos romenos que deveriam buscá-las no posto de fronteira, e seus telefones celulares já estavam sem bateria. A enxurrada de refugiados e o movimento de voluntários romenos que distribuem alimentos e tentam acolher os recém-chegados deixa o ambiente confuso. Elas ainda não sabem se ficarão na Romênia ou se irão para a França. Por enquanto, arrastam suas malas e carregam seus dois gatos nesta pequena estrada, onde cada passo as leva para longe de seu país.
(Com informações da RFI)