Entre 2021 e 2023, o Brasil registrou 164.199 casos de violência sexual contra crianças e adolescentes de até 19 anos, conforme revelado na segunda edição do relatório Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil.
O estudo, divulgado nesta terça-feira (13) pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma ONG composta por profissionais da segurança, acadêmicos e representantes da sociedade civil, aponta uma trajetória crescente de vítimas.
Em 2021, foram 46.863 casos; em 2022, 53.906; e em 2023, 63.430, o que equivale a um caso a cada oito minutos no último ano.
Os pesquisadores destacam que os números reais podem ser ainda maiores devido a dois fatores principais: a falta de dados de estados como Acre, Bahia e Pernambuco em pelo menos um dos três anos analisados e a subnotificação.
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicou que apenas 8,5% dos eventos são reportados às autoridades policiais.
A primeira edição do relatório cobriu o período de 2016 a 2020, e, segundo os organizadores, há diferenças nas metodologias de coleta de dados entre as edições, o que impede comparações diretas.
O levantamento também inclui informações sobre violência letal e detalha o perfil das vítimas de violência sexual. Meninas são as mais afetadas, representando 87,3% dos casos. Quase metade das vítimas (48,3%) tem entre 10 e 14 anos, e 52,8% são identificadas como negras (pretas e pardas).
O relatório divide a população jovem em quatro faixas etárias e observa um aumento em todos os grupos. Para crianças de até 4 anos, houve um crescimento de 23,5% nos registros de estupro no último ano; para a faixa etária de 5 a 9 anos, o aumento foi de 17,3%; para o grupo de 10 a 14 anos, 11,4%; e para jovens de 15 a 19 anos, 8,4%.
Ana Carolina Fonseca, oficial de Proteção contra Violências do Unicef, destacou que os números são alarmantes e crescem de forma acentuada entre as crianças pequenas.
O Brasil apresentou uma taxa de 131 vítimas de estupro do sexo feminino para cada grupo de 100 mil na faixa etária até 19 anos, comparado a 19,9 para o sexo masculino. Isso significa que uma menina de até 19 anos tem sete vezes mais chances de ser vítima de violência sexual do que um menino na mesma faixa etária.
Os dados sobre meninas vítimas revelam que 53,2% são negras, 45,9% são brancas e 0,9% são indígenas ou amarelas.
Além disso, 67% das meninas vítimas são violentadas dentro de casa, e em 85,1% dos casos, o autor do crime era conhecido da vítima.
O relatório revela que, entre 2021 e 2023, 117 mil meninas de até 14 anos foram vítimas de violência sexual, uma média de 39 mil por ano.
A análise indica que a curva de casos cresce consideravelmente para vítimas de 10 a 13 anos, fase em que as meninas entram na puberdade e iniciam o ciclo reprodutivo. Isso resulta em milhares de crianças que, além dos traumas da violência, podem enfrentar as consequências de uma gravidez indesejada.
O estudo também relaciona os casos de violência sexual a dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), que registrou 31.749 nascimentos de mães com idade entre 10 e 14 anos no biênio 2021-2022.
O relatório critica o Projeto de Lei 1904/2024, em tramitação na Câmara dos Deputados, que propõe considerar homicídio o aborto realizado após 22 semanas de gestação, incluindo casos de gravidez resultante de estupro.
Os pesquisadores alertam que limitar o aborto a essa fase gestacional poderia forçar meninas a enfrentar uma gravidez indesejada ou cumprir medidas socioeducativas, e, no caso das maiores de 18 anos, a prisão.
Fonseca ressaltou duas direções principais para enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes: Para crianças pequenas, é crucial que profissionais de educação infantil, saúde e assistência social estejam atentos a sinais de abuso. Para adolescentes, a educação sexual é essencial para que possam identificar e buscar ajuda em casos de violência.
Gazeta Brasil