De acordo com David Uip, renomado especialista em infectologia no Brasil e ex-secretário de Saúde de São Paulo, a tendência é de que o número de casos de dengue diminua no Centro-Sul e se desloque para os Estados do Norte e Nordeste. Os casos de dengue no Brasil devem atingir a marca de 3 milhões somente em 2024 nesta quarta-feira, conforme o Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde. O recorde de contaminações foi superado em meados de março, quando ultrapassou o número registrado em 2015, com 1,688 milhão de casos. Desde então, o recorde tem sido renovado e a projeção do governo federal é que o ano termine com mais de 4 milhões de infecções pela doença. O país também registrou um recorde de mortes pela doença, com 1.116 óbitos de 1° de janeiro a 8 de abril, superando o total de mortes de 2023, que foi de 1.094. Outros 1.807 óbitos estão sob investigação.
“É importantíssimo falar de dengue o ano inteiro. É preciso trabalhar no tema o tempo todo para que o ano que vem não seja ainda pior”, aconselha Uip. Ele explica que as chuvas intensas no Sudeste e no Sul do Brasil foram fundamentais para o recorde em 2024 e afirma que, mesmo que tanto isso quanto as temperaturas mais altas já fossem esperadas, é difícil para as autoridades anteciparem as soluções sem o comprometimento da sociedade.
“Para os governos, não é simples. É preciso contar com o apoio da população, pois 80% dos focos de criação do mosquito são domiciliares. Envolve a conscientização das pessoas e também política de governo, mas é complexo. E agora não adianta sair apontando o dedo. Temos poucas vacinas, em quantidade insuficiente, e nem vamos ter no curto prazo”, avalia Uip.
O médico, que no fim do ano passado assumiu o cargo de diretor nacional de infectologia da rede D’Or, dona dos hospitais São Luiz, afirma que todas os brasileiros precisam levar a prevenção contra a dengue mais a sério. “As pessoas não entendem que é uma doença democrática. Pega residências em locais complicados, mas também pega na piscina do condomínio chique com a água mal tratada. Além disso, você pode ter o cuidado em casa, mas se o seu vizinho não tiver, você também está vulnerável”, diz, explicando que o fortalecimento do senso de comunidade é fundamental para controlar as contaminações.
O que mais preocupa Uip é o aumento de casos graves que é uma consequência direta do alto índice de infecção. “O número de 3 milhões já é exuberante. Mas o maior problema é que está aumentando o número de casos graves, o que consequentemente tende a elevar o número de óbitos. Por isso, tem que ter estratégia que vai desde a atenção primária até o atendimento de alta complexidade. Ter a equação de insumos, reserva de leitos, previsão de UTI. A gestão é complexa”, diz.
De acordo com os dados do Ministério da Saúde, a letalidade quando se trata de casos graves no Brasil está em 4%.
Perguntado sobre se há algo que pode ser feito para evitar que projeção negativa de que ao menos mais 1 milhão de brasileiros serão infectados pelo mosquito Aedes aegypti até o fim do ano, Uip acredita que o número deverá ser até maior do que o esperado, mas sugere o investimento para fortalecer o trabalho dos agentes de saúde que atuam diretamente nos bairros diretamente com a população. “O que mais valorizo como estratégia de ação é o trabalho corpo a corpo dos agentes sanitários nos domicílios. Isso precisa ser reforçado”, aconselha o infectologista.
No entanto, para uma solução mais definitiva, Uip lamenta que ainda haja uma oferta baixa de vacinas que impede a realização de uma grande campanha de vacinação contra a dengue. Embora o Brasil seja o primeiro país do mundo a oferecer o imunizante contra a doença no sistema público de saúde, a oferta da vacina é limitada devido à incapacidade operacional da farmacêutica japonesa Takeda Pharma, fabricante da vacina Qdenga.
O Instituto Butantan, ligado ao governo do Estado de São Paulo, já desenvolveu uma vacina própria contra a dengue que está em estágio avançado de aprovação, mas os testes finais devem ser finalizados somente no segundo semestre deste ano para que o imunizante possa ser analisado e liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Uma solução mais arquitetada depende da vacina”, conclui Uip.
com informações do Valor Econômico