Uma pesquisa conduzida na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) confirmou a presença do vírus mayaro (MAYV) em humanos no estado de Roraima. Transmitido por mosquitos silvestres, o vírus causa a “febre do mayaro”, uma doença com sintomas semelhantes aos da dengue e chikungunya – febre, dores corporais, fadiga, além de dor e inchaço nas articulações. A descoberta da circulação entre pessoas, inclusive na área urbana de Roraima, acende um alerta para a possibilidade de disseminação pelo país. As informações são do Estadão.
O estudo envolveu várias instituições de pesquisa do Brasil e do exterior. A descoberta é da bióloga Julia Forato, sob a orientação do professor José Luiz Módena, da Unicamp, e da bióloga Fabiana Granja, da Universidade Federal de Roraima (UFRR). No Laboratório Central de Saúde Pública de Roraima, entre 2020 e 2021, os pesquisadores analisaram amostras de soro de mais de 800 pacientes que apresentavam um estado febril. A análise revelou a presença do mayaro em 3,4% das pessoas testadas.
No Brasil, a detecção do mayaro foi historicamente registrada em estados da região Norte, como Acre, Pará e Amazonas. Em Roraima, até então, o vírus só havia sido detectado em animais silvestres, em áreas de transição entre zonas rurais e urbanas. Os resultados parecem indicar que o vírus está se espalhando pelas diferentes áreas da região.
Dados preocupantes Para Rafaela Vieira Bruno, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Insetos do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), apesar da porcentagem pequena, o dado da pesquisa já levanta preocupações. “A gente tem um índice ainda relativamente baixo, mas já é importante ficar alerta. É preciso tomar medidas preventivas antes que essa disseminação aconteça”, propõe.
O trabalho surpreende porque a doença causada pelo vírus mayaro é considerada uma zoonose silvestre. Isso significa que ela é uma infecção que se origina e circula principalmente entre os vetores da doença, como os mosquitos, e os animais, como primatas, aves e roedores.
Em zoonoses silvestres, como aponta o Ministério da Saúde, o homem é considerado um “hospedeiro acidental”, ou seja, alguém que só pode se infectar quando frequenta o habitat natural dos hospedeiros e vetores infectados. Por isso, como aponta o pesquisador Módena, da Unicamp, normalmente quem se expõe ao vírus são pessoas que trabalham com atividades dentro da mata, como lenhadores e pescadores.
No entanto, segundo o estudo, algumas das pessoas que testaram positivo para o vírus não relataram a realização de qualquer atividade de trabalho em área florestal.
Módena aponta que outros estudos recentes têm mostrado um grande potencial de disseminação do vírus. Segundo ele, já existem relatos de detecção do mayaro em estados como Mato Grosso e Goiás. O pesquisador acredita que o patógeno poderá chegar às regiões Sul e Sudeste nos próximos anos.
Possível transmissão por mosquitos urbanos Considerado um arbovírus – aquele que é transmitido por mosquitos –, o mayaro tem como vetor o Haemagogus janthinomys, mosquito conhecido por disseminar a febre amarela. Como mencionado, ele está presente em áreas silvestres. Por isso, a contaminação de pessoas em cidades de Roraima (incluindo a capital, Boa Vista), levanta questionamentos sobre a possibilidade de outros mosquitos, desses que habitam as cidades, já estarem infectados com o mayaro e atuando como vetores – como é o Aedes aegypti, que transmite a dengue.
“Esse vírus pode estar circulando em áreas urbanas, eventualmente sendo transmitido por outros mosquitos, que não o Haemagogus. A gente não conseguiu saber qual [mosquito] neste estudo, mas acho que abre a perspectiva para explorarmos isso”, conta Módena.
Rafaela também destaca que a perspectiva de que o vírus esteja sendo transmitido por outros vetores é bastante preocupante e deve ser testada.
A febre do mayaro é uma doença de difícil diagnóstico, por ser facilmente confundida com dengue e chikungunya. No entanto, em relação à dengue, seu principal diferencial é a maior chance de causar dor e inflamação crônica nas articulações (quadros clínicos chamados, respectivamente, de artralgia e artrite. A condição afeta boa parte das pessoas com chikungunya.
Módena explica que a dor e o inchaço nas articulações, provocados pela doença, podem se tornar permanentes em uma grande parcela das pessoas adoecidas, afetando a sua qualidade de vida. “A artrite crônica é bem debilitante. As pessoas podem não conseguir mais executar o seu trabalho, porque sentem muita dor”, explica. Segundo o pesquisador, por essa razão a disseminação da doença pode levar a um forte impacto para a saúde e área médica, além de um importante impacto econômico em longo prazo.
A doença também causa outros sintomas capazes de afetar o bem-estar das pessoas infectadas. De acordo com o Ministério da Saúde, os principais são:
Febre: Com início súbito (de repente) e temperaturas entre 39°C e 40°C; Dor: de cabeça, musculares e nas articulações Inchaço nas articulações (edemas articulares): sintoma que acomete cerca de 20% dos infectados. Ocorrem, principalmente, nos pulsos, dedos, tornozelos e dedos dos pés; Calafrios; Dor atrás dos olhos; Mal-estar geral: Fraqueza, cansaço e indisposição; Erupção cutânea (exantema): manchas vermelhas na pele que aparecem, normalmente, a partir do quinto dia de sintomas; Náuseas e vômitos; Diarreia O quadro clínico agudo pode durar de uma a duas semanas.
Segundo o Ministério da Saúde, ainda não há vacina para a doença. Por isso, para prevenir a infecção, o órgão recomenda medidas para minimizar o contato com o vetor silvestre (o mosquito) como:
Evitar exposição em áreas de mata sem proteção, durante o período de maior atividade do mosquito transmissor da doença (das 9 às 16 horas); Usar roupas compridas e repelentes; Uso de mosquiteiros, principalmente em áreas rurais e silvestres; Evitar a exposição em área afetada (com transmissão ativa). Ainda de acordo com o órgão, não há um tratamento específico para a febre do mayaro. Em caso de infecção, os pacientes devem permanecer em repouso, minimizando os sintomas com medicamentos para alívio de dor e febre.
O papel dos impactos ambientais Outro cenário que Rafaela especula tem a ver com a possibilidade de que mosquitos encontrados tipicamente nas áreas silvestres estejam se movendo em direção às zonas urbanas.
A infectologista atribui isso, e todo o processo de espalhamento do vírus, às mudanças no meio ambiente. “O fato de a gente estar lidando com muita alteração no clima, muito desmatamento e muitos desastres naturais, faz com que esses vírus comecem a se espalhar e sair da região deles”, explica.
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